A base política que concedeu maioria vitoriosa nas eleições presidenciais de 2002 e nas três subsequentes terminou por constranger elites historicamente constituídas, que acostumadas estavam a impor, com resistência abafada, seus principais interesses. Por intermédio dos monopólios sociais estabelecidos, como, por exemplo, o sistema educacional, verdadeira massa de jovens originária na base da pirâmide social estava impedida de ascender às universidades, o que garantia caminho privilegiado e quase sem concorrência aos melhores empregos para poucos brasileiros.
Da mesma forma, o Estado patrimonialista serve às elites pela estrutura tributária regressiva, que quase a isenta de impostos, pois transfere aos segmentos de menor rendimento o maior ônus relativo da arrecadação governamental. O Ministério da Fazenda, por meio da Secretaria da Receita Federal, executa a principal política social aos bem situados no País.
As desonerações tributárias, como aquelas proporcionadas na declaração do Imposto de Renda, permitem ao andar de cima da sociedade abonar gastos privados realizados com saúde (panos de saúde), educação (a bolsa família dos ricos), assistência e previdência social. No ano de 2012, por exemplo, quase 50 bilhões de reais deixaram de ser arrecadados pelo tesouro federal por conta das deduções que financiam gastos com serviços privados na saúde pelas elites brasileiras.
Diante disso, o começo da reformulação do antigo Estado patrimonial implementada a partir da década de 2000, ainda que parcial e incompleta, não agradou as elites, em geral. As políticas públicas inclusivas, como as quotas no ensino público superior, a garantia de renda universal aos segmentos pauperizados, a ampliação de modalidades de inserção bancária e creditícia, a busca do pleno emprego, entre outras modalidades de ação do Estado, sofreram forte reação implícita e explícita do pessoal que frequenta salas VIP (Very Important Person) e camarotes da alta sociedade.
A revolta não tardou a ser exposta. Desde as eleições presidenciais de 2014 que as elites tradicionais realinharam-se novamente para fortalecer campanhas reacionárias em prol da desconstrução de conquistas estabelecidas nos últimos anos.
Isso pode ser observado pelo fato de os partidos de oposição derrotados em outubro de 2014 não terem desmobilizado suas máquinas eleitorais, não aceitando e questionando o resultado eleitoral. Da mesma maneira que não aceitam o resultado das urnas, recorrem a artifícios para levarem adiante a campanha pelo impeachment do governo Dilma.
Ao mesmo tempo, reagrupam forças no interior do Poder Legislativo federal para colocar em votação um conjunto de projetos que visam a regredir direitos sociais e trabalhistas dos que dependem do seu próprio trabalho para sobreviver. As elites tradicionais cobram permanentemente o corte das despesas públicas com pagamento de pessoal e em áreas decisivas para a população vulnerável, mas calam-se diante do descalabro na elevação dos gastos com pagamento dos juros da dívida pública gerados por juros estratosféricos.
Até quando a revolta das elites seguirá sem reação organizada dos interesses dos de baixo no Brasil? A hora do pêndulo chegou.
Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas. (Planeta Osasco)
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